Aumentar Fonte +Diminuir Fonte -Queridos missionários que trabalham em nossas paróquias e missões, saudações fraternas!
Antes de começar a reflexão propriamente dita, gostaria de indicar que estamos vivendo um tempo de ação de graças para a Congregação, Província e para a Igreja no Brasil. Para a Congregação, a celebração dos 150 anos da morte de Claret e os 150 anos da chegada dos missionários à América, “a vinha jovem”, e, para a Igreja no Brasil, a Campanha da Fraternidade que nos chama à compaixão, a sermos “bons samaritanos”. Para a Província, os 125 anos da chegada dos missionários ao Brasil. Convido a todos para celebrarmos estas datas com o coração repleto de gratidão, esperança e contemplação, pois temos uma história e uma herança que nos orgulham de sermos o que somos: Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria.
Lembrando os 125 anos da chegada de nossos missionários ao Brasil, gostaria de trazer aqui suas primeiras impressões quando avistaram as terras brasileiras. “Durante todo dia (15/11/1895) fomos costeando as terras do Brasil sem perder de vista, admirando a variedade, número e frondosidade das inúmeras ilhas que a ocupam. Não nos cansávamos de olhar e admirar coisa tão rara e nunca vista pelos habitantes lá da nossa terra”. Existem nesta narrativa dois verbos que dizem muito ao mundo da missão Claretiana: olhar e admirar. Poderíamos aprofundar nossa reflexão nos perguntado como está nossa capacidade de olhar e admirar a realidade que nos cerca, principalmente neste momento histórico marcado por mudanças que estão afetando a sociedade e a Igreja; mas deixo esta tarefa para uma reflexão pessoal ou quem sabe comunitária.
Sobre a reflexão a ser apresentada. Já faz alguns anos, quando ainda era pároco e formador, li um livro intitulado “O sofrimento que cura”, de Henri Nouwen, um dos mestres da espiritualidade de nosso tempo. Relendo a citada obra, entendi que alguns temas aí abordados têm muito do ser e agir de Claret, principalmente do Claret missionário apostólico. Foi motivado por esta relação e pela situação existêncial de nosso povo, marcada profundamente pelo sofrimento em suas mais variadas formas, que decidi partilhar esta reflexão com vocês. Não se trata de uma reflexão “nova”, mas espero, de coração, estar os ajudando pessoal e comunitariamente. Nunca é demais relembrarmos pontos essenciais de nosso ministério, do nosso ser de missionários.
Nunca se esqueçam, queridos irmãos, que Jesus, por meio de sua encarnação, não só nos viu, mas sentiu compaixão e nos cuidou! Nós não podemos ser diferentes do Mestre e dos grandes homens e mulheres de nossa Igreja. Como missionários, não duvidemos que o vazio, a dor e o sofrimento do ser humano, sejam do passado ou do presente, não podem ser preenchidos apenas com palavras, precisam de uma presença plena de acolhimento, compaixão e perdão. Precisam ser tocados! Quem sabe, seja essa a razão mais profunda da encarnação de Jesus: ser presença, tocar a nossa realidade! O Deus conosco é um Deus presente. Esse é o segredo de nosso Deus. Que nunca duvidemos desta presença! Não nos entreguemos à tentação de que estamos sós, de que estamos à deriva no universo, como alguns profetas da desgraça apregoam. Se nos entregarmos a esta tentação, não poderemos ser presença na vida daqueles que nos procuram. Precisamos sentir o abraço de Deus para depois ser presença na vida dos outros.
Diante do exposto, mesmo que brevemente, podemos afirmar que o missionário Claretiano para o nosso tempo deve ter, pelo menos, três características, ou mesmo, três atitudes: ser articulador de eventos interiores, compassivo e contemplativo crítico. Vamos às características, que não devem ser apenas assimiladas intelectualmente, mas principalmente aceitas num coração que arde pelo amor ao próximo, como ardia o coração de Claret.
1. Articulador de eventos interiores.Começo a reflexão sobre esta primeira característica, lembrando que a maior queixa de Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz, grandes místicos de nossa Igreja, “era não encontrarem guias espirituais para levá-los ao longo dos caminhos certos e possibilitar a eles distinguir entre espíritos criativos e espíritos destrutivos”. Sem dúvida alguma, este é um dos grandes desafios da aventura do ser humano nesta terra, entender os eventos do nosso interior.
Nós muitas vezes não temos consciência de quão perigosa pode ser a experiência com a vida interior! Entrar na vida interior do ser humano, é estar no coração de seu mistério. Quando as pessoas nos buscam, relatam, na grande maioria das vezes, experiências de seu mundo interior. Estas experiências, na maioria das vezes, geram confusão e modos de agir que desarticulam o seu interior. Quem de nós já não se deparou com esta realidade! Quem de nós já não viveu, em sua própria carne, esta realidade! Por isso, a primeira e mais básica tarefa de um missionário Clarertiano é desvanecer a imensa confusão interior que pode surgir nas pessoas que o procuram para serem ouvidas. Nestes momentos, devemos nos esforçar para oferecer a estas pessoas, “caminhos criativos através dos quais sejam capazes de se comunicarem com a fonte da vida humana”. Caminhos que as tirem do reino da confusão. Viver na confusão, é de certa forma, viver sem rumo, sem sentido.
Quando o ser humano consegue articular os movimentos íntimos e sutis de sua vida interior; quando consegue dar nomes às suas variadas experiências interiores, deixa de ser vítima de si mesmo e é capaz de remover os obstáculos que impedem a entrada do espírito. Desta forma, “será capaz de criar espaço para o Senhor, cujo coração é maior que o seu, cujos olhos veem mais que o seus e cujas mãos podem curar mais que as suas”. Como missionários apostólicos, devemos oferecer às pessoas que nos buscam, canais pelos quais possam descobrir-se, esclarecer suas próprias experiências e encontrar nichos nos quais a Palavra de Deus tome posse firme. O missionário, deve, portanto, conduzir as pessoas para dentro da terra da esperança! Mas muita atenção! Para isto acontecer de verdade, o missionário deve ser o primeiro a entrar na prometida, mas perigosa terra, o primeiro a dizer àqueles que têm receio, que ele viu, ouviu e tocou. Podemos libertar, porque estamos livres!
2. Compassivo.Ao apresentar esta segunda característica do missionário Claretiano, devemos nos perguntar pelo lugar onde devemos estar, pois a compaixão deve ser uma atitude concreta. Não podemos estar escondidos, longe, mas no meio do povo, devemos estar visíveis. Estar “com” é a primeira atitude dos missionários dominados pela compaixão. Para aquele que é tomado pela compaixão, não existem pessoas invisíveis! Lembremos do lema da Campanha da Fraternidade deste ano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. “O rompimento da indiferença torna o samaritano mais humano”, nos afirma o Papa Francisco.
Mas quando nasce a compaixão? A compaixão nasce quando descobrimos, no centro de nossa existência, não só que Deus é Deus e o homem é homem, que pessoas a quem servimos, como missionários, são nossos semelhantes, pois não há nada nelas que nós também não tenhamos; sua casa é nossa casa! “Pela compaixão, é possível reconhecer que a sede de amor que nossos povos sentem reside também em nossos próprios corações, que a crueldade que o mundo conhece bem demais também tem raízes em nossos próprios impulsos”.Lembro aqui as palavras do Papa Francisco: “Tu choras? Ou perdemos as lágrimas (...) Quantos de nós choramos diante do sofrimento de uma criança, perante a destruição de uma família, diante de tantas pessoas que não encontraram o seu caminho? (...) Pergunte a si mesmo se o seu coração não endureceu, se não se tornou gelo (...) A misericórdia, diante de uma vida humana em situação de necessidade, é a verdadeira face do amor”. Como é triste ver um missionário sem compaixão!
Para um missionário filho de Claret possuído pela compaixão, “nada que seja humano é estranho: nenhuma alegria ou tristeza, nenhum caminho ou modo de viver e nenhum modo de morrer”. Para este missionário, a compaixão conduz ao perdão, porque o perdão somente é real para quem descobriu a fraqueza e os pecados de seu semelhante em seu próprio coração. O perdão é somente real e efetivo, quando nosso olhar deixa de ser distante e analítico, mas parceiro, um olhar de quem é contemplativo de coração.
Ao falarmos de compaixão, não podemos deixar de falar sobre o tema da proximidade. A compaixão exige presença e proximidade! Aliás, as pessoas de nosso tempo têm sede destas atitudes! Presença e proximidade são um “serviço” que tem muito de gratuidade, esvaziamento, generosidade, honra, solicitude e cuidado, atitudes que devem habitar o coração do missionário Claretiano. Não podemos nos esquecer de que quando nos aproximamos do outro e de modo especial do outro mais vulnerável, estamos sendo presença de Deus, estamos repetindo os mesmos gestos e palavras de Jesus, estamos nos aproximando do mistério e da imensa riqueza da pessoa. Quando nos aproximamos e nos tornamos presença para o outro, estamos nos divinizando, estamos sendo ser humano em plenitude. Mas muita atenção: toda presença e proximidade deve ter como base a misericórdia, a ternura e a compaixão, devem ter como base e modelo o coração de nosso Deus, que em Jesus Cristo se revelou ao mundo de forma plena. Sendo assim, somos chamados a “agir com justiça, amar com ternura e caminhar humildemente com o nosso Deus” (Mq 6,8).
Como missionários apostólicos, somos chamados à doação, ao esvaziamento, e, assim sendo e agindo, nossa presença passa a ser para as pessoas que nos procuram, uma luz acesa da presença divina. Por isso nos afirma o Papa Francisco: “A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os cidadãos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo do bem, de verdade, de justiça. (...)” (EG, 71).
Tendo em conta o que foi dito, mesmo que de forma muito sintética, convido a todos para que transformemos nossas paróquias e casas em espaços de acolhimento, em lugares onde os que buscam o aconchego da compaixão possam encontrar companhia, socorro, encontro e abraço de misericórdia. Lugares e ambientes de referência e de pertença, espaços concretos de partilha do humano perante a emergência, mesmo dramática, de situações de solidão, desorientação e morte. Lugares onde o outro possa ser gente e sujeito de sua história e transformação. Lugares que sejam verdadeiras casas, amplas, arejadas e com as portas escancaradas. 3. Contemplativo crítico.
O missionário que não sabe para onde vai ou a que mundo está se dirigindo, será frequentemente tentado a se tornar sarcástico e até cínico. “Quando não sei para onde vou, também não sei quem sou! O missionário que não sabe para onde vai, ri de seus irmãos engajados, mas nada oferece no lugar de sua atividade; protesta contra muitas coisas, mas não sabe a que devotar a sua fé e esperança”. No fundo, tem medo de ser em plenitude; tem medo de ouvir a voz do Espírito! Tem medo de admirar; tem medo de ver, sentir compaixão e cuidar. Tem medo de contemplar!
O missionário que descobriu em si a voz do Espírito e redescobriu, com compaixão, seus semelhantes, pode ser capaz de olhar de um modo diferente para os que encontra, para os contatos que faz e para os encontros dos quais se torna parte. “Ele pode revelar os primeiros esboços do novo mundo, ocultos pelo véu da vida cotidiana”; ele pode dar sentido ao presente e utopia ao futuro; ele pode fazer novas todas as coisas!
O missionário Claretiano é chamado a ajudar seu povo a afirmar essa grande novidade e a tornar visível, em eventos diários, o fato de, atrás da cortina suja de nossos penosos sofrimentos, existe algo de grande para ser visto: a face de Deus, a cuja imagem fomos criados. Como missionários contemplativos críticos, podemos dirigir os olhos das pessoas que desejam ver além dos seus impulsos e dirigir suas energias erráticas para canais criativos. Podemos ensinar para elas que são capazes de olhar para o rosto de outro ser humano, tendo luz suficiente em si mesmas para reconhecer seu irmão ou sua irmã.
O missionário contemplativo crítico não salta para cima e para baixo conforme a voga do momento, é um João Batista, porque está em contato com o que é básico, central e definitivo. Os ventos contrários não são capazes de desvirtuar o seu Norte. Ele não permite que as pessoas que veem ao seu encontro cultivem ídolos, mas convida constantemente a formularem perguntas significativas, muitas vezes penosas e desordenadas, a olharem além da superfície do comportamento polido e eliminarem todos os obstáculos que as impedem de atingir a plenitude da vida. “Acima de tudo, ele procurará por sinais de esperança e promessa na situação em que se encontra cada ser humano”.
O missionário contemplativo crítico tem a sensibilidade para observar a pequena semente de mostarda e tem a fé para acreditar que “quando cresce, fica maior que as outras hortaliças e torna-se um arbusto, a tal ponto que os pássaros do céu vêm fazer ninhos em seus ramos” (Cf. Mt 13,32).
Ao partilhar esta reflexão, desejo provocar uma reflexão maior e comunitária. Acredito que, como missionários, estamos vivendo um momento de graça. Deus e humanidade esperam mais de nós, esperam que sejamos homens capazes de ver, sentir compaixão e cuidar. Não nos esquivemos de nossa missão de cuidadores!
No Imaculado Coração de Maria,
Marcos Aurélio Loro, cmfSuperior Provincial
São Paulo, 19 de março de 2020.Na solenidade de São José.
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Queridos missionários que trabalham em nossas paróquias e missões, saudações fraternas!
Antes de começar a reflexão propriamente dita, gostaria de indicar que estamos vivendo um tempo de ação de graças para a Congregação, Província e para a Igreja no Brasil. Para a Congregação, a celebração dos 150 anos da morte de Claret e os 150 anos da chegada dos missionários à América, “a vinha jovem”, e, para a Igreja no Brasil, a Campanha da Fraternidade que nos chama à compaixão, a sermos “bons samaritanos”. Para a Província, os 125 anos da chegada dos missionários ao Brasil. Convido a todos para celebrarmos estas datas com o coração repleto de gratidão, esperança e contemplação, pois temos uma história e uma herança que nos orgulham de sermos o que somos: Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria.
Lembrando os 125 anos da chegada de nossos missionários ao Brasil, gostaria de trazer aqui suas primeiras impressões quando avistaram as terras brasileiras. “Durante todo dia (15/11/1895) fomos costeando as terras do Brasil sem perder de vista, admirando a variedade, número e frondosidade das inúmeras ilhas que a ocupam. Não nos cansávamos de olhar e admirar coisa tão rara e nunca vista pelos habitantes lá da nossa terra”. Existem nesta narrativa dois verbos que dizem muito ao mundo da missão Claretiana: olhar e admirar. Poderíamos aprofundar nossa reflexão nos perguntado como está nossa capacidade de olhar e admirar a realidade que nos cerca, principalmente neste momento histórico marcado por mudanças que estão afetando a sociedade e a Igreja; mas deixo esta tarefa para uma reflexão pessoal ou quem sabe comunitária.
Sobre a reflexão a ser apresentada. Já faz alguns anos, quando ainda era pároco e formador, li um livro intitulado “O sofrimento que cura”, de Henri Nouwen, um dos mestres da espiritualidade de nosso tempo. Relendo a citada obra, entendi que alguns temas aí abordados têm muito do ser e agir de Claret, principalmente do Claret missionário apostólico. Foi motivado por esta relação e pela situação existêncial de nosso povo, marcada profundamente pelo sofrimento em suas mais variadas formas, que decidi partilhar esta reflexão com vocês. Não se trata de uma reflexão “nova”, mas espero, de coração, estar os ajudando pessoal e comunitariamente. Nunca é demais relembrarmos pontos essenciais de nosso ministério, do nosso ser de missionários.
Nunca se esqueçam, queridos irmãos, que Jesus, por meio de sua encarnação, não só nos viu, mas sentiu compaixão e nos cuidou! Nós não podemos ser diferentes do Mestre e dos grandes homens e mulheres de nossa Igreja. Como missionários, não duvidemos que o vazio, a dor e o sofrimento do ser humano, sejam do passado ou do presente, não podem ser preenchidos apenas com palavras, precisam de uma presença plena de acolhimento, compaixão e perdão. Precisam ser tocados! Quem sabe, seja essa a razão mais profunda da encarnação de Jesus: ser presença, tocar a nossa realidade! O Deus conosco é um Deus presente. Esse é o segredo de nosso Deus. Que nunca duvidemos desta presença! Não nos entreguemos à tentação de que estamos sós, de que estamos à deriva no universo, como alguns profetas da desgraça apregoam. Se nos entregarmos a esta tentação, não poderemos ser presença na vida daqueles que nos procuram. Precisamos sentir o abraço de Deus para depois ser presença na vida dos outros.
Diante do exposto, mesmo que brevemente, podemos afirmar que o missionário Claretiano para o nosso tempo deve ter, pelo menos, três características, ou mesmo, três atitudes: ser articulador de eventos interiores, compassivo e contemplativo crítico. Vamos às características, que não devem ser apenas assimiladas intelectualmente, mas principalmente aceitas num coração que arde pelo amor ao próximo, como ardia o coração de Claret.
1. Articulador de eventos interiores.
Começo a reflexão sobre esta primeira característica, lembrando que a maior queixa de Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz, grandes místicos de nossa Igreja, “era não encontrarem guias espirituais para levá-los ao longo dos caminhos certos e possibilitar a eles distinguir entre espíritos criativos e espíritos destrutivos”. Sem dúvida alguma, este é um dos grandes desafios da aventura do ser humano nesta terra, entender os eventos do nosso interior.
Nós muitas vezes não temos consciência de quão perigosa pode ser a experiência com a vida interior! Entrar na vida interior do ser humano, é estar no coração de seu mistério. Quando as pessoas nos buscam, relatam, na grande maioria das vezes, experiências de seu mundo interior. Estas experiências, na maioria das vezes, geram confusão e modos de agir que desarticulam o seu interior. Quem de nós já não se deparou com esta realidade! Quem de nós já não viveu, em sua própria carne, esta realidade! Por isso, a primeira e mais básica tarefa de um missionário Clarertiano é desvanecer a imensa confusão interior que pode surgir nas pessoas que o procuram para serem ouvidas. Nestes momentos, devemos nos esforçar para oferecer a estas pessoas, “caminhos criativos através dos quais sejam capazes de se comunicarem com a fonte da vida humana”. Caminhos que as tirem do reino da confusão. Viver na confusão, é de certa forma, viver sem rumo, sem sentido.
Quando o ser humano consegue articular os movimentos íntimos e sutis de sua vida interior; quando consegue dar nomes às suas variadas experiências interiores, deixa de ser vítima de si mesmo e é capaz de remover os obstáculos que impedem a entrada do espírito. Desta forma, “será capaz de criar espaço para o Senhor, cujo coração é maior que o seu, cujos olhos veem mais que o seus e cujas mãos podem curar mais que as suas”. Como missionários apostólicos, devemos oferecer às pessoas que nos buscam, canais pelos quais possam descobrir-se, esclarecer suas próprias experiências e encontrar nichos nos quais a Palavra de Deus tome posse firme. O missionário, deve, portanto, conduzir as pessoas para dentro da terra da esperança! Mas muita atenção! Para isto acontecer de verdade, o missionário deve ser o primeiro a entrar na prometida, mas perigosa terra, o primeiro a dizer àqueles que têm receio, que ele viu, ouviu e tocou. Podemos libertar, porque estamos livres!
2. Compassivo.
Ao apresentar esta segunda característica do missionário Claretiano, devemos nos perguntar pelo lugar onde devemos estar, pois a compaixão deve ser uma atitude concreta. Não podemos estar escondidos, longe, mas no meio do povo, devemos estar visíveis. Estar “com” é a primeira atitude dos missionários dominados pela compaixão. Para aquele que é tomado pela compaixão, não existem pessoas invisíveis! Lembremos do lema da Campanha da Fraternidade deste ano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. “O rompimento da indiferença torna o samaritano mais humano”, nos afirma o Papa Francisco.
Mas quando nasce a compaixão? A compaixão nasce quando descobrimos, no centro de nossa existência, não só que Deus é Deus e o homem é homem, que pessoas a quem servimos, como missionários, são nossos semelhantes, pois não há nada nelas que nós também não tenhamos; sua casa é nossa casa! “Pela compaixão, é possível reconhecer que a sede de amor que nossos povos sentem reside também em nossos próprios corações, que a crueldade que o mundo conhece bem demais também tem raízes em nossos próprios impulsos”.
Lembro aqui as palavras do Papa Francisco: “Tu choras? Ou perdemos as lágrimas (...) Quantos de nós choramos diante do sofrimento de uma criança, perante a destruição de uma família, diante de tantas pessoas que não encontraram o seu caminho? (...) Pergunte a si mesmo se o seu coração não endureceu, se não se tornou gelo (...) A misericórdia, diante de uma vida humana em situação de necessidade, é a verdadeira face do amor”. Como é triste ver um missionário sem compaixão!
Para um missionário filho de Claret possuído pela compaixão, “nada que seja humano é estranho: nenhuma alegria ou tristeza, nenhum caminho ou modo de viver e nenhum modo de morrer”. Para este missionário, a compaixão conduz ao perdão, porque o perdão somente é real para quem descobriu a fraqueza e os pecados de seu semelhante em seu próprio coração. O perdão é somente real e efetivo, quando nosso olhar deixa de ser distante e analítico, mas parceiro, um olhar de quem é contemplativo de coração.
Ao falarmos de compaixão, não podemos deixar de falar sobre o tema da proximidade. A compaixão exige presença e proximidade! Aliás, as pessoas de nosso tempo têm sede destas atitudes! Presença e proximidade são um “serviço” que tem muito de gratuidade, esvaziamento, generosidade, honra, solicitude e cuidado, atitudes que devem habitar o coração do missionário Claretiano. Não podemos nos esquecer de que quando nos aproximamos do outro e de modo especial do outro mais vulnerável, estamos sendo presença de Deus, estamos repetindo os mesmos gestos e palavras de Jesus, estamos nos aproximando do mistério e da imensa riqueza da pessoa. Quando nos aproximamos e nos tornamos presença para o outro, estamos nos divinizando, estamos sendo ser humano em plenitude. Mas muita atenção: toda presença e proximidade deve ter como base a misericórdia, a ternura e a compaixão, devem ter como base e modelo o coração de nosso Deus, que em Jesus Cristo se revelou ao mundo de forma plena. Sendo assim, somos chamados a “agir com justiça, amar com ternura e caminhar humildemente com o nosso Deus” (Mq 6,8).
Como missionários apostólicos, somos chamados à doação, ao esvaziamento, e, assim sendo e agindo, nossa presença passa a ser para as pessoas que nos procuram, uma luz acesa da presença divina. Por isso nos afirma o Papa Francisco: “A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os cidadãos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo do bem, de verdade, de justiça. (...)” (EG, 71).
Tendo em conta o que foi dito, mesmo que de forma muito sintética, convido a todos para que transformemos nossas paróquias e casas em espaços de acolhimento, em lugares onde os que buscam o aconchego da compaixão possam encontrar companhia, socorro, encontro e abraço de misericórdia. Lugares e ambientes de referência e de pertença, espaços concretos de partilha do humano perante a emergência, mesmo dramática, de situações de solidão, desorientação e morte. Lugares onde o outro possa ser gente e sujeito de sua história e transformação. Lugares que sejam verdadeiras casas, amplas, arejadas e com as portas escancaradas.
3. Contemplativo crítico.
O missionário que não sabe para onde vai ou a que mundo está se dirigindo, será frequentemente tentado a se tornar sarcástico e até cínico. “Quando não sei para onde vou, também não sei quem sou! O missionário que não sabe para onde vai, ri de seus irmãos engajados, mas nada oferece no lugar de sua atividade; protesta contra muitas coisas, mas não sabe a que devotar a sua fé e esperança”. No fundo, tem medo de ser em plenitude; tem medo de ouvir a voz do Espírito! Tem medo de admirar; tem medo de ver, sentir compaixão e cuidar. Tem medo de contemplar!
O missionário que descobriu em si a voz do Espírito e redescobriu, com compaixão, seus semelhantes, pode ser capaz de olhar de um modo diferente para os que encontra, para os contatos que faz e para os encontros dos quais se torna parte. “Ele pode revelar os primeiros esboços do novo mundo, ocultos pelo véu da vida cotidiana”; ele pode dar sentido ao presente e utopia ao futuro; ele pode fazer novas todas as coisas!
O missionário Claretiano é chamado a ajudar seu povo a afirmar essa grande novidade e a tornar visível, em eventos diários, o fato de, atrás da cortina suja de nossos penosos sofrimentos, existe algo de grande para ser visto: a face de Deus, a cuja imagem fomos criados. Como missionários contemplativos críticos, podemos dirigir os olhos das pessoas que desejam ver além dos seus impulsos e dirigir suas energias erráticas para canais criativos. Podemos ensinar para elas que são capazes de olhar para o rosto de outro ser humano, tendo luz suficiente em si mesmas para reconhecer seu irmão ou sua irmã.
O missionário contemplativo crítico não salta para cima e para baixo conforme a voga do momento, é um João Batista, porque está em contato com o que é básico, central e definitivo. Os ventos contrários não são capazes de desvirtuar o seu Norte. Ele não permite que as pessoas que veem ao seu encontro cultivem ídolos, mas convida constantemente a formularem perguntas significativas, muitas vezes penosas e desordenadas, a olharem além da superfície do comportamento polido e eliminarem todos os obstáculos que as impedem de atingir a plenitude da vida. “Acima de tudo, ele procurará por sinais de esperança e promessa na situação em que se encontra cada ser humano”.
O missionário contemplativo crítico tem a sensibilidade para observar a pequena semente de mostarda e tem a fé para acreditar que “quando cresce, fica maior que as outras hortaliças e torna-se um arbusto, a tal ponto que os pássaros do céu vêm fazer ninhos em seus ramos” (Cf. Mt 13,32).
Ao partilhar esta reflexão, desejo provocar uma reflexão maior e comunitária. Acredito que, como missionários, estamos vivendo um momento de graça. Deus e humanidade esperam mais de nós, esperam que sejamos homens capazes de ver, sentir compaixão e cuidar. Não nos esquivemos de nossa missão de cuidadores!
No Imaculado Coração de Maria,
Marcos Aurélio Loro, cmf
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